Transferência de ações nominativas só se opera com termo lavrado em livro próprio

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) enfrentou Recurso Especial tratando da necessidade do registro de cessão de ações em livro próprio para a efetiva transferência de titularidade, bem como sobre eventual prazo para o cumprimento da obrigação.

No caso concreto, as partes celebram contrato de cessão de ações nominativas. Embora os cessionários tenham integralizado o preço de emissão, não houve registro no livro de ações nominativas da companhia, ainda que tal ato estivesse previsto contratualmente, mas sem prazo definido. Após 3 (três) anos, os cessionários ajuizaram ação para reconhecer a inexistência de sociedade e o inadimplemento contratual do cedente pela mora em efetuar o registro.

A Lei 6. 404/76 (“Lei das Sociedades Anônimas” ou “LSA”) trata do assunto em seu artigo 31, parágrafo primeiro. Segundo a norma, a transferência de titularidade de ações nominativas se opera somente com a transcrição em livro próprio da sociedade. Apesar disso, o dispositivo não traz nenhum prazo para que o registro ocorra, sendo omisso em tal aspecto.

Por outro lado, o art. 104, parágrafo único, também da LSA, determina que “A companhia deverá diligenciar para que os atos de emissão e substituição de certificados, e de transferências e averbações nos livros sociais, sejam praticados no menor prazo possível (...)”. Embora também não traga um prazo específico, prevê a necessidade de brevidade do registro, argumento esse que foi utilizado pela Corte de Origem para justificar a caracterização da mora, ante a demora de mais de 3 anos para a realização do registro.

O STJ, por outro lado, embora tenha entendido que o registro é de fato essencial para a transferência de titularidade das ações nominativas, divergiu da corte de origem em relação ao prazo. Para o Superior Tribunal, diante da omissão em relação ao prazo para registro, omissão essa tanto da LSA quanto do contrato de cessão das ações, a mora só poderá ser constituída a partir da notificação do devedor para cumprimento da obrigação.

No caso concreto, portanto, o STJ entendeu que não houve a transferência da titularidade das ações e que a notificação judicial não poderia pleitear a resolução do contrato desde logo, uma vez que primeiro deve ser dada a oportunidade ao devedor de providenciar o registro e somente depois estaria caracterizada a mora ensejadora de resolução contratual.

O Acórdão pode ser conferido aqui.

Administradores são condenados por irregularidades em operação de aumento de capital

Por unanimidade, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) condenou os membros do conselho de administração de Companhia por terem aprovado o encaminhamento de proposta irregular de aumento de capital. Os membros foram condenados por infração ao art. 170, §§1º e 7º, da Lei 6.404/76 (“LSA”) e ao art. 2º, IX, do Anexo 30-XXXII da Instrução CVM 480, por não terem apresentado justificativa pormenorizada dos critérios elegidos para a fixação do preço de emissão das ações, o que levou a uma diluição injustificada dos antigos acionistas, bem como pela emissão dessas ações com deságios não justificados pelas condições de mercado. O voto do julgamento destacou que os critérios para fixação do preço de emissão previstos nos incisos I a III do §1º, art. 170, da LSA, são discricionários, cabendo à administração escolher os mais adequados ao caso concreto. A escolha, entretanto, deve ser justificada minuciosamente. No caso, os membros do conselho adotaram o critério da cotação das ações em Bolsa de Valores, previsto pelo inciso III do mesmo artigo, e justificaram a opção com base na perspectiva de rentabilidade e valor patrimonial da ação, bem como com o fato de a Companhia possuir patrimônio negativo à época. A CVM, embora tenha entendido que a justificativa fosse suficiente para explicar a não adoção do critério previsto no inciso II do art. 170, que diz respeito ao valor do patrimônio líquido da ação, ressaltou que não ficou devidamente esclarecido os motivos da não adoção do critério atinente à perspectiva de rentabilidade futura, previsto pelo inciso I.  Considerou, portanto, insuficientes as explicações, levando à condenação. Além disso, teria ocorrido violação do comando legal pela falta de explicitação dos cálculos considerados para a determinação do preço de emissão das ações, em atenção ao expressivo deságio das ações ordinárias. Embora a defesa tenha justificado o deságio pelo custo de oportunidade balizado pela Taxa Selic, a explicação não constou da Proposta da Administração ou dos documentos relacionados ao aumento de capital, tendo sido alegada apenas em respostas aos ofícios da CVM. Dessa forma, entendeu-se que não houve justificativa prévia e pormenorizada aos acionistas sobre o motivo de adoção ou não adoção de cada um dos critérios, tampouco dos deságios aplicados, conforme exigido pelo §7º do art. 170 da LSA, motivo pelo qual houve infração e consequente condenação. Confira a decisão aqui.

Nova Lei torna o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (PRONAMPE) permanente

A Lei 13.999, de 18 de maio de 2020, instituiu o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (PRONAMPE). O programa foi criado com o intuito de promover o desenvolvimento e o fortalecimento dos pequenos negócios em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2 (“Covid 19”). O programa, em suma, tem como objetivo facilitar o acesso ao crédito de microempresas, empresas de pequeno porte e profissionais liberais através de taxas de juros e condições de pagamento benéficas aos participantes. Além disso, a norma autoriza as instituições financeiras participantes a dispensarem algumas certidões para a contratação, tais como certidão de regularidade do FGTS e Certidão Negativa de Débito (CND), facilitando assim a transação. Originalmente, as operações poderiam ser formalizadas em até 3 meses após a entrada em vigor da norma, que ocorreu em maio de 2020, com a possibilidade de renovações do prazo. Entretanto, A Lei 14.161, de 2 de junho de 2021, alterou a norma precedente e transformou o PRONAMPE em um programa permanente. Com sua entrada em vigor, as operações de crédito realizadas pelas instituições financeiras participantes poderão ser formalizadas em períodos específicos, que serão estabelecidos pela Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competividade (“SEPEC”) do Ministério da Economia. De acordo com o artigo 1º da nova lei, a modificação tem como finalidade “consolidar os pequenos negócios como agentes de sustentação, de transformação e de desenvolvimento da economia nacional”.

Plano de Recuperação Judicial não pode suprimir garantias reais e fidejussórias sem anuência expressa do titular

A Segunda Secção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, decidiu que o plano de recuperação judicial não pode suprimir garantias reais e fidejussórias sem a anuência expressa de seus titulares. A novação das obrigações previstas pela Lei 11.101/2005, que trata da Recuperação Judicial, diz respeito apenas à empresa em recuperação, sem atingir terceiros. Em outras palavras, isso significa que, embora as ações e execuções em face da recuperanda estejam suspensas, nada impede que o credor as prossiga em face de devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantias reais e fidejussórias, como é o caso dos fiadores. Entretanto, é possível que o prosseguimento relativo a essas garantias também seja suspenso, desde que exista previsão no plano de recuperação judicial. Tais cláusulas restritivas não são nulas, mas é necessário, entretanto, que os credores titulares de tais garantias expressamente concordem. Dessa forma, o STJ entendeu então que, nos planos de recuperação judicial que incluam cláusula restritiva de garantia real e fidejussória, os credores que se abstiverem de votar ou que a ela se opuserem não poderão sofrer os efeitos da restrição, mantendo assim suas garantias. Isso, porque, com base no art. 361 do CC, a novação não pode ser presumida e é necessário inequívoco ânimo de novar. Segundo o Relator, solução em sentido contrário afrontaria a segurança jurídica e traria incertezas para o cenário de concessão de crédito, o que seria desastroso para a economia do país.  Em suas palavras, “um credor que concede crédito e recebe em troca uma garantia, certamente precisa de segurança mínima de que essa garantia será respeitada, mesmo em caso de recuperação ou falência, na forma como prevista na Lei 11.101/2005”. O Acórdão pode ser conferido aqui.

Administrador é condenado por votação em conflito de interesses

O Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) decidiu, por maioria de votos, condenar administrador pela violação ao artigo 156, caput, da Lei das Sociedades Anônimas (“LSA”), responsável por vedar a intervenção de administradores em operações e deliberações que tiver interesses conflitantes com o da companhia. No caso, a CVM considerou que o Administrador violou o dispositivo citado ao votar em deliberação do Conselho de Administração que tratou de distrato de contrato firmado com empresa diversa, da qual também era acionista. Apesar de não ser majoritário em participações, o que poderia afastar a vedação, o Administrador-Acionista fazia parte de acordo para compartilhamento de controle, o que levou à caracterização do conflito de interesses, vedado pelo dispositivo da LSA. Dessa forma, apesar de sua minoria, o fato de o Acionista ter firmado acordo para controle da sociedade o tornou capaz de influenciar as decisões, atraindo para si o impedimento do artigo 156, caput, da LSA. Caracterizado o impedimento, a CVM entendeu que houve violação do dispositivo, independentemente dos efeitos concretos gerados pela conduta. Isso, porque, a CVM adota, historicamente, o posicionamento de que a infração prevista no artigo 156, caput, da LSA, é de natureza formal. Em outras palavras, significa dizer que a infração se caracteriza pela mera conduta, independentemente de eventual produção de prejuízos efetivos para as sociedades envolvidas. No caso em questão, a defesa tem como um dos principais argumentos justamente que o distrato foi realizado de modo regular, sem qualquer prejuízo para as partes. Entretanto, por se tratar de natureza formal, a produção dos efeitos é irrelevante e não tem o condão de descaracterizar a infração. Confira a decisão aqui.

É possível que condomínios edilícios residenciais proíbam a locação de imóvel por meio de plataformas digitais

Recentemente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) entendeu que, no caso de condomínios edilícios com destinação residencial, é possível a proibição da locação de imóveis a ele pertencentes em plataformas digitais. No caso, a plataforma utilizada viabiliza a locação por curtos períodos, de forma simples e impessoal, podendo ser locado todo o imóvel ou apenas um de seus cômodos. O ministro Raul Araújo, autor do voto vencedor, entendeu que a locação pelas vias mencionadas pode ser entendida como um contrato atípico de hospedagem, uma vez que, ao mesmo tempo que detém alta rotatividade e eventual oferta de serviços, como os de internet e lavanderia, o que a difere do contrato de locação por temporada, não detém o profissionalismo e a estrutura suficiente para eventual enquadramento na Política Nacional de Turismo (Lei 11.771/2008). No mais, ressaltou também que o direito de usar, gozar e dispor livremente do imóvel, advindo do direito de propriedade, deve harmonizar com outros direitos, como os relativos à segurança, sossego e saúde das demais propriedades existentes no condomínio. O voto ainda destaca que prédios verticais acarretam uso e fruição da propriedade menos amplas e mais restrita do que aqueles relativos a construções horizontais, uma vez que as atividades ali exercidas afetam o direito dos outros condôminos com mais facilidade do que as construções horizontais afetariam seus vizinhos. Assim, embora seja possível que a convenção permita esse tipo de atividade, se não o fizer, e se a destinação do condomínio edilício for residencial, não poderão os proprietários locar seus imóveis nos moldes descritos. O julgamento se deu por maioria dos votos e o Ministro Relator Luis Felipe Salomão teve seu voto vencido. Na visão do Ministro, a atividade não seria estritamente comercial e eventual proibição afetaria o direito de uso e gozo da propriedade. Para ele, outras medidas poderiam ser adotadas para garantir a segurança dos condôminos, em contraponto à vedação da locação. O acórdão pode ser conferido aqui. Atualizado em 21/06/2021.

A retirada imotivada de sócio é possível mesmo em sociedade limitadas regidas supletivamente pela Lei das Sociedades Anônimas

A Terceira turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), por unanimidade, reconheceu a possibilidade do exercício da retirada imotivada de sócio, previsto pelo artigo 1.029, do Código Civil (“CC”), no âmbito das Sociedades Limitadas regidas supletivamente pela Lei 6.404/1976 (“LSA”). Em tese, quando há omissão do regramento destinado às Sociedades Limitadas, aplicam-se as disposições da Sociedade Simples, nos moldes do artigo 1.053 do CC. É possível, entretanto, que o contrato social da Sociedade Limitada preveja a regência supletiva pela LSA. No caso levado ao STJ, esse era exatamente o contexto fático. Embora a sociedade do caso concreto tivesse previsto a regência supletiva pela LSA, um de seus sócios exerceu direito de retirada imotivada, previsto pelo artigo 1.029, do CC. Tendo em vista que referido dispositivo está localizado no capítulo das Sociedades Simples, e inexistindo previsão equivalente na LSA, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu pela inaplicabilidade do artigo 1.029 ao caso, bem como pela inoperabilidade dos efeitos da retirada exercida pelo sócio. O STJ, por outro lado, reformou a decisão e entendeu que a aplicação supletiva da LSA não tem o condão de afastar a previsão do art. 1.029 do CC e impedir o direito de retirada imotivada de sócio em Sociedades Limitadas de prazo indeterminado. O STJ reforçou que a possibilidade de retirada imotivada deve ser garantida também nesses casos, tendo em vista que o direito de se associar e de não permanecer associado é garantido pelo artigo 5º, XX, da Constituição Federal. No mais, o STJ entendeu que a omissão em relação ao direito de retirada imotivada da LSA não é compatível com a natureza das Sociedades Limitadas: as Sociedades Anônimas detêm livre negociação de ações, o que permite a retirada e, consequentemente, o exercício do direito constitucionalmente previsto, independentemente de previsão específica. A Sociedade Limitada, por outro lado, não detém as mesmas características, motivo pelo qual a omissão encontrada na LSA não é aplicável a esse tipo societário e não deve ser entendida como uma proibição. Ressaltou-se, ainda, que o próprio Código Civil prevê a aplicação de seus dispositivos nos casos omissos pela LSA, nos termos do artigo 1.089. Confira a íntegra do acórdão aqui.

É possível que condomínios residenciais proíbam a locação de imóvel por meio de plataformas como “Airbnb”

Recentemente, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) entendeu que, no caso de condomínios com destinação residencial, é possível a proibição da locação de imóveis a ele pertencentes em plataformas digitais como a do “Airbnb”. O ministro Raul Araújo, autor do voto vencedor, entendeu que a locação pelas vias mencionadas pode ser entendida como um contrato atípico de hospedagem, uma vez que, ao mesmo tempo que detém alta rotatividade, o que a difere do contrato de locação por temporada, não detém o profissionalismo e a estrutura suficiente para eventual enquadramento na Política Nacional de Turismo (Lei 11.771/2008). No mais, ressaltou também que o direito de usar, gozar e dispor livremente do imóvel, advindo do direito de propriedade, deve harmonizar com outros direitos, como os relativos à segurança, sossego e saúde das demais propriedades existentes no condomínio. Assim, embora seja possível que a convenção permita esse tipo de atividade, se não o fizer, e se a destinação do condomínio for residencial, não poderão os proprietários locar seus imóveis por meio das plataformas online. O julgamento se deu por maioria dos votos e o Ministro Relator Luis Felipe Salomão teve seu voto vencido. Na visão do Ministro, a atividade não seria estritamente comercial e eventual vedação da locação seria uma violação do direito de propriedade. Para ele, outras medidas poderiam ser adotadas para garantir a segurança dos condôminos, em contraponto à vedação da locação. O acórdão do julgamento ainda não foi disponibilizado.

A Celebração de Contratos por Meio de Assinatura Eletrônica

A Medida Provisória nº 2.200-2 (“MP 2.200-2”), de 24 de agosto de 2001, instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (“ICP-Brasil”), de modo a garantir a autenticidade, integridade e a validade jurídica dos documentos celebrados em forma eletrônica. É referida normativa que fundamenta a possibilidade da utilização de assinaturas eletrônicas no país. De forma simplificada, a medida prevê a existência de Autoridades Registradoras e Autoridades Certificadoras no âmbito do ICP-Brasil. Dessa forma, enquanto as Autoridades Registradoras são responsáveis pela identificação e o registro dos usuários, nos termos do art. 7º da MP 2.200-2, as Autoridades Certificadoras são aquelas que efetivamente emitem os certificados digitais, nos moldes do art. 6º da referida Medida Provisória. Ressalta-se que o art. 7º foi recentemente alterado para possibilitar a identificação do usuário por outras formas que não a presencial. Essa, entretanto, não é a única via possível. A MP 2.200-2 também reconhece a possibilidade de utilização de outros meios de assinatura eletrônica, que não através da certificação emitida pelo ICP-Brasil. Para isso, entretanto, a ferramenta deve ser capaz de (i) comprovar a autoria e a integridade dos documentos em forma eletrônica, e (ii) ter sido acordada entre as partes envolvidas. É o caso, por exemplo, de diversas plataformas privadas que têm oferecido serviços de assinatura eletrônica com a opção de se adotar o padrão ICP-Brasil ou outras formas de validação. Ressalta-se, entretanto, que, embora ambas as formas sejam válidas, o documento assinado por meio do ICP-Brasil goza de presunção de veracidade em relação aos seus signatários. Uma outra prática comum é a de transformar a assinatura feita no papel físico em um arquivo digital compatível com os documentos eletrônicos, de modo a ser possível inserir a imagem nos arquivos pretendidos. Apesar da aparente facilidade, a conduta envolve riscos, e deve ser analisada com cuidado. Isso, porque, o procedimento utilizado pode não ser capaz de garantir a autoria e a integridade dos documentos envolvidos, comprometendo assim a confiabilidade. Apesar disso, ressalta-se que nada impede que, na eventualidade de discussão do tema em esfera judicial, a questão seja instruída com outros elementos capazes de comprovar a relação e as condições acordadas entre as partes, nos moldes do artigo 369 do Código de Processo Civil. No mais, o próprio documento eletrônico detém valor probante, conforme estabelece o artigo 225 do Código Civil e o enunciado 297 do Conselho da Justiça Federal que determina que “O documento eletrônico tem valor probante, desde que seja apto a conservar a integridade de seu conteúdo e idôneo a apontar sua autoria, independentemente da tecnologia empregada”. Além disso, as assinaturas eletrônicas também podem ser utilizadas no âmbito das relações com os entes públicos. A Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019 (“Lei da Liberdade Econômica”), em um primeiro momento, alterou a legislação para possibilitar tanto a escrituração de registros públicos quanto a constituição, alteração, dissolução e extinção de pessoas jurídicas pelo meio eletrônico. Posteriormente, o uso das assinaturas no âmbito dos entes públicos também foi regulado pela Lei 14.063 de 23 de setembro de 2020. Referida norma classifica as assinaturas eletrônicas entre qualificadas – sendo aquelas certificadas pelo ICP-Brasil –, avançadas – aquelas capazes de garantir a autoria e a integridade dos documentos – e, por fim, as assinaturas simples, capazes de identificar o signatário. Segundo a normativa, alguns atos exigem necessariamente o uso de assinaturas certificadas pelo ICP-Brasil, como é o caso dos atos de transferência e registro de bens imóveis. Outras situações, entretanto, como o registro de atos em Juntas Comerciais, poderão admitir assinaturas qualificadas ou até, em interações de menor impacto, a assinatura simples. Entretanto, as exigências podem variar de acordo com o ente público, cabendo a cada um deles especificar quais são “os requisitos e os mecanismos estabelecidos internamente para o reconhecimento de assinatura eletrônica avançada”. Dessa forma, de modo geral, podemos dizer que o uso da assinatura eletrônica no âmbito das relações privadas depende basicamente do acordo entre as partes e da capacidade da ferramenta de garantir a autoria e a integridade do documento. Assim, embora a certificação do ICP-Brasil seja a de maior confiabilidade, não é essa a única modalidade aceita e válida. A Digitalização de Documentos Físicos Outra dúvida que pode surgir dentro do tema diz respeito à possibilidade de digitalização de documentos físicos e sua validade. A Lei da Liberdade Econômica também trouxe algumas disposições a respeito da digitalização de documentos físicos, autorizando o armazenamento eletrônico de documentos públicos e privados, como também estabelecendo o direito de toda pessoa, natural ou jurídica, de arquivar qualquer documento por meio digital, conforme técnicas e requisitos estabelecidos em regulamento. Referido processo é regulado pelo Decreto 10.278 de março de 2020 que, em termos gerais, estabelece que os procedimentos e as tecnologias utilizadas para atingir tal finalidade devem garantir, principalmente, a integridade, a confiabilidade, a legibilidade e a qualidade do documento, além da rastreabilidade e auditabilidade dos procedimentos empregados. Nas situações nas quais as entidades públicas estão envolvidas, para que o documento digitalizado se equipare ao físico, a digitalização deve contar com a certificação do ICP-Brasil. Em relações entre particulares, entretanto, poderá ser utilizado qualquer meio de comprovação da autoria e da integridade dos documentos, desde que acordado entre as partes. Inexistente a previsão, serão aplicadas as mesmas regras referentes aos entes públicos.

A Nova Lei de Franquias

Entrou em vigor na última quinta-feira (26/03/20) a Lei nº 13.966/19 que vem para regular os contratos de franquia do Brasil (“Nova Lei de Franquias”), revogando a legislação anterior que datava do ano de 1994. O sistema de franquias consiste basicamente em um modelo de negócios onde uma das partes (o franqueador) comercializa o direito de uso de marca e/ou patente, infraestrutura, técnicas comerciais e meios de distribuição de produtos para que outras partes (os franqueados) possam montar seus negócios. Segundo dados recentes divulgados pela Associação Brasileira de Franchising (“ABF”), o setor de franquias representa 2,6% do PIB do país, sendo um importante formato de negócios também na geração e manutenção de empregos (aproximadamente 1,36 milhão de pessoas), nas mais diversas áreas. Abaixo é possível visualizar as principais alterações trazidas pela nova legislação:  
Lei nº 8.955/94 (antiga legislação) Lei nº 13.966/19 (Nova Lei de Franquias)
15 (quinze) itens obrigatórios da Circular de Oferta de Franquia; 23 (vinte e três) itens obrigatórios da Circular de Oferta de Franquia;
inexistência de previsão quanto à existência de vínculo empregatício entre as partes; previsão expressa de que não existe vínculo empregatício entre o franqueador e os franqueados e/ou seus empregados;
inexistência de previsão quanto à aplicabilidade do CDC em disputas entre o franqueador e o franqueado; e previsão expressa de que não existe relação de consumo entre franqueador e franqueado, não sendo aplicável o CDC em disputas entre eles; e
inexistência de previsão que regulasse a locação/sublocação de imóveis entre as partes. previsão expressa regulando a locação/sublocação de imóveis entre franqueador e franqueado, possibilitando que o franqueador venha a locar um determinado imóvel e sublocá-lo ao franqueado. Tal previsão traz uma vantagem considerável no tocante a continuidade do negócio pois, caso o contato de franquia seja rescindido pelo franqueado, o ponto comercial permanece sendo locado pelo franqueador, que poderá sublocar a um novo franqueado e assim dar continuidade ao negócio.
  Além das alterações acima, a Circular de Oferta de Franquia deverá ser clara no tocante aos serviços, equipamentos e demais assistências que serão oferecidos pelo franqueador ao franqueado, além de indicar de forma expressa as regras de sucessão do contrato de franquia, as penalidades e multas que poderão ser impostas ao franqueado, as quotas mínimas e prazos de compra dos produtos do franqueador, bem como as regras de concorrência entre franqueador e franqueado. Assim, entendemos que a Nova Lei de Franquias trouxe maior segurança jurídica, tanto para os franqueadores quanto para os franqueados, já que incorporou alguns entendimentos que somente eram reconhecidos após decisão judicial.  

Moura Petrone Sociedade de Advogados

 Equipe de Direito Societário e Contratual:

Gabriel Salybe de Moura

Gabriel Serrasqueiro Sala

Renato Valeriano Garcia